INDIRETAS

Primeira lembrança é de estar próximo do meu aniversário e seria o primeiro que passaria (passei) namorando alguém. Dias antes, não o suficiente para que esquecesse, levei-a até uma livraria do shopping e mostrei o livro que eu gostaria de ganhar dela sem que ela soubesse que eu sabia que ela me daria alguma coisa. Me lembro de mostrar o livro e dizer "é esse que eu quero ler. Só não compro agora porque vou esperar baixar o preço" . E é assim que se dá indiretas no mundo dos adultos.
No dia do presente claro não fiquei decepcionado, ela entendeu a mensagem. Ela comprou o livro e eu fiquei duplamente feliz e uma parte frustrado. Feliz por estar com o livro que eu queria e de ter ganho de quem eu gostava; frustrado por abrir a primeira página e não encontrar uma dedicatória. Nenhum mensagem na contracapa ou primeira folha. Nenhum "de\para". Nada. Minha namorada.

Segunda lembrança é ter mais ou menos doze anos. Meu pai e eu costumávamos ir na Igreja Presbiteriana de Vargem Grande. Lá a organista curiosamente se mostrava excelente doceira. Meu aniversário chegando e eu devo ter dito algumas vezes para meu pai "hum, se a Dona Neusa fizesse o bolo do meu aniversário eu iria querer o de brigadeiro". E é assim que se dá indiretas no mundo das crianças. 
No dia do meu aniversário, não me lembro mesmo de quantos anos e só aí vc já percebe o quanto foi memorável porém não especial, enfim, neste dia, vi meu pai recebendo o bolo da organista e nem sabia que era para mim. Ah e me lembro dele combinar de pagar depois também. Ele me fez segurar da igreja até em casa e no caminho eu perguntei se era pra mim, entenda, não éramos de fazer muitas festas. Ele disse que sim e eu me lembro de dizer "que legal, não precisava pai" então sério para o volante ele disse "não precisava? vc só falava nesse bolo!" . Meu pai.


 Ligando A com B a gente percebe que tem coisa que se não for gratuito não vale a pena. A gente sabe que não vamos receber da vida sempre o que queremos e agora também percebemos que nem podemos nos dar ao luxo de pedir. Mesmo que  na base da indireta. E a gente fica como uma criança que depois de rir do espetaculo inteiro, assiste o ventriloquo guardando numa caixa um boneco vazio, inerte e sem vida. É a vida.

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