LEVE

Quão mais dormitará divindade
As que o credo cria
Incógnito e indecifravel
Quando despertará a tua ira?
Que seja eu julgado e despedaçado
Vão-se minhas mãos, rasguem-se como andrajos
Queime minha lingua pelo que disse e não
Destrone minha mente e consuma
Não deixe das esperanças nenhuma
Me açoite, justiça, se falhei
Morda-me o ódio se não amei
Me apedreje e me apodreça
Mas leve comigo junto
A maldade que paira no mundo
Dos que pisam inocentes
Dos que usam a pele como vestes
Dos que pagam pela crueldade
E dos que com ela lucram
Dos que são plateia da dor
Leve e lance-os fogo
Consuma até nada sobrar
Vingue a inocencia
Vingue o universo
Vingue o sangue
Vire sangue
Nem que me leve, mas lave
Inda que tenha eu de ir junto

Lave o que ainda resta do mundo

A Sina do Vilão

Amargo é o tom da solidão
Ao menos é melhor que azedo
Semelhante a sina do vilão
Para uns inevitável não sê-lo
Quando o prazer fugaz é tedioso
Posto que o compromisso é vigor
Melhor só do que ser ocioso
Ao coração presenteia favor
E de tentativas desonestas
De se apoiar em amizades
Fim em si nomeiam-se estas
Nada faz que o peito bate
É como o laço no embrulho novo
Mesmo que seja dourado e lindo
Ante o presente é só estorvo
Amigo é I escrito sem pingo
Já sozinho não há ausência
Os mocinhos e os heróis
Só amam por indulgência
Indubitavelmente aponta o arco
Mas o flechar pode ser erro
Amargo é o tom da solidão
Ao menos é melhor que azedo.

VALSA

Um descuido e fere o arame
Posto para não passá-lo
Fere a espada os quatro dedos
Outro destreinado vassalo
Não sei ser cauteloso
Não sei sê-lo
Infanto e inato teimoso
Exonerado em desapego
Que de tudo nada de mim te falte
E ainda possa me falar bem perto
Se não ver-te de que me vale
O calor do céu e o frio do inferno?
Não saber a dose, me resvala
Exagerado e fora de época
Minha razão no peito estala
Ecoa muda, retrata às cegas
E ainda que a autoria feneceu
essa valsa de próprio punho
Não aceite nunca o meu adeus
Não tem moldura, é só rascunho
Muda o meu pensar de ti
Imundo eu!
Ou mude-se de dentro mim, assim
Que na  mudança me leve seu
Ou tua herança será o fim
Do que era guia e perambula louco
Queres ter um pouco de mim
Então não negues receber-me todo!