Sonhei que era um andarilho fardado, cheio de caminhos pela frente. Um andarilho cansado com dentes amarelos, mas sorridente. Nesse sonho tudo que eu tirava do bolso criava vida. Segredos batiam asas quando abria minhas mãos. A piada foi levada pelo vento feito bolha de sabão e quando estourava... Rá! Era gargalhada!
Eu falava para uma pequena multidão. E todo mundo se cutucava para ver melhor. Nesse empurrra-empurra, de hora em hora a platéia ia ficando cada vez maior. Eu ia caminhando na frente subindo a rocha, assoviando entre os dentes a canção preferida. Na subida ninguém se cansava, nem anoitecia; o por do sol fazia serenata; era a melhor hora do dia. Nesse sonho uma nova canção era entoada. Cada criança sabia de cor. De flor em flor havia louvor. Como se houvesse sido sabatinada, um coral de gente abraçada cantava animada sobre o amor do nosso Salvador.
Nesse sonho, eu era um poeta. Um ator. Um impostor. Subindo na pedra desapareci na frente da platéia de um modo que ninguém poderia supor. Nem suportar. Quando apareci novamente fui aplaudido. Estávamos frente a frente: o andarilho e o precipício.
Depois deste truque, troquei as vestes e pintei a cara. Abri uma Bíblia na Palavra do Sermão do Monte. Cada sílaba que lia parecia uma carta endereçada ao universo e o seu sobrenome. A platéia que já outrora embalada, chorava de alma lavada. No fim desse espetáculo houve um sinal no céu. Um sinal que a noite teceu. E assim, todos puderam mergulhar naquela praia e acordar num devaneio. Não havia mais frio nem fevereiro. Fechei as mãos. Abri os olhos. E outra vez, através do revés, comecei a conversar com o travesseiro no tom da canção de ninar, assim sendo, voltei outro sono a sonhar.
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